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Uma Notícia – Agrária – De Fim De Ano

            A renegociação da dívida dos assentados do MST e do restante dos pequenos agricultores do Brasil mostra que o Governo Federal não consegue sentir neste segmento o seu potencial como agente da sustentabilidade. Ou a renegociação teria sido mais fácil e mais favorável.
            Nos dias 27 e 28/11/2001, as famílias trabalhadoras rurais, organizadas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e pelo MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), haviam realizado, como parte de todo um processo, a Jornada Nacional de Luta para exigir do Governo a renegociação das dívidas de assentados e pequenos agricultores. Neste dia, a informação era de que mais de 7 mil sem terras estariam mobilizados em frente a bancos em 10 estados da união (CE, SC, PE, RS, SE, BA, RO, PR, SP e MS).
            Enquanto o governo havia publicado medida provisória (MP 09/2001) estendendo o prazo de pagamento das dívidas rurais dos grandes produtores em pelo menos 25 anos para pagar os cerca de 32 bilhões de reais que devem aos cofres públicos, os pequenos produtores e assentados estavam solicitando, desde que o ano começou, a renegociação de dívidas que não chegam a ultrapassar os 4 bilhões.
            O objetivo central da mobilização seria pressionar o Conselho Monetário Nacional, que iria, então, se reunir no dia 29 de novembro, e conseguir a recontratação desta dívida com 3 anos de carência e 7 anos para pagar. Sem a renegociação, ficaria impossível contratar crédito de custeio para a próxima safra.
            Enfim, a mobilização parecia vitoriosa. O próprio movimento anunciava que o Ministério da Fazenda estaria publicando Medida Provisória para atender a pauta do MST e do MPA, na qual constariam importantes deliberações, tais como a recontratação de todas as operações do Procera, com validade para todo o Brasil, acabando com o problema do aval solidário nos contratos anteriores. Entre as condições de recontratação, estariam o prazo de 15 anos para pagar, o rebate de 70% em cada prestação paga na data de vencimento e o juro fixo de 1,15% ao ano. Além disso, a Medida renovaria as condições da resolução do Banco Central 2765 para dívidas inferiores a R$15.000,00, contraídas entre 1995 e 1997, abrindo novo prazo para recontratar até junho de 2002, estando entre as condições o juro fixo de 3% ao ano, o rebate de 30% em cada prestação para quem pagar em dia, desconto (no total) de 8 a 9% sobre a parte não paga da dívida e prazo de 8 anos para pagar com 3 anos de carência. No que se refere às dívidas securitizadas, aquelas com valores inferiores a R$10.000,00 teriam prazo de 25 anos para pagar, juro fixo de 3% ao ano, rebate de 30% em cada prestação e mais 20% de rebate para quem antecipasse o pagamento e quitasse a dívida.
            A notícia seria boa não fosse o endurecimento do governo, que decidiu editar Medida Provisória para renegociar apenas 3 bilhões em dívidas. Também as lideranças ruralistas exigem uma renegociação mais ampla para incluir as dívidas de 1,8 bilhão do Pronaf e Procera espalhadas nos fundos constitucionais regionais do Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FCO). A bancada do PT e a Contag, além de apoiarem esta iniciativa, querem incluir os débitos com recursos do FAT.
            Sem dúvida, a notícia seria muito melhor se o Governo anunciasse ter enfim percebido a importância da agricultura familiar – incluindo a dos assentamentos – na comparação com o modelo agrícola produtivista, o qual, além de concentrar terra e renda e provocar graves impactos ambientais, vem a ser um dos maiores consumidores de energia e de água.
            Segundo o raciocínio de Jean-Pierre Leroy, em 'O Desafio da Sustentabilidade: um debate socioambiental no Brasil' (Editora Fundação Perseu Abramo, SP, 2001), é hora de voltar a içar com força e visibilidade a bandeira da reforma agrária e da agricultura familiar, justamente porque os assentamentos e as áreas de agricultores familiares, em sua relação com o meio ambiente, podem tornar-se agentes ativos e indispensáveis da conservação da natureza.
            A valorização deste segmento talvez seja a mais correta das maneiras de se pensar a agricultura sustentável, pois, em resumo, a propriedade em que se realizam suas atividades agrícolas, tanto do MST como do MPA, teoricamente pode ser percebida, segundo Leroy, como um 'ecossistema em que produção e conservação se combinam e se influenciam mutuamente', facilitando, portanto, o reconhecimento da importância do meio ambiente do entorno e o manejo do território local como um ecossistema único, em que o 'construído' e o 'natural' se complementam. Nesta agricultura, o desenvolvimento não é visto sob o ângulo estritamente econômico de aproveitamento imediato. 'Incorpora também o ambiente local (floresta, caatinga, campos gerais, cerrado, várzeas, etc) como reserva de produtos para extração ou produção futura, lugar de dispersão das pragas, garantia de mananciais abundantes e perenes (...), etc'.
            Para que os assentamentos, e outras propriedades familiares, funcionem assim, obviamente é necessário o aprofundamento das experiências de organização social, como por exemplo associativismo e cooperativas, que em alguns casos geram também muitos efeitos multiplicadores nos níveis local e regional, além de se pensar alternativas de produtos e novos processos produtivos que permitam a realização de rendas com o mínimo esgotamento dos recursos naturais.
            Pensar desta forma, e pensar fundamentalmente nos assentamentos e em toda a agricultura familiar, promovendo algo próximo ao conceito de desenvolvimento endógeno – essencial quando se refere à sustentabilidade –, nos faz lembrar que existe uma 'coisa' chamada política agrícola, e que os agentes formuladores dela têm que estar 'convencidos' da importância deste segmento social e produtivo para um projeto nacional.
            Mas será que um projeto deste porte pode resistir a ameaças tão elementares como a que representa o comprometimento do plantio da safra que virá? ... E em que pequenos agricultores ainda têm que lutar pela contratação do crédito de custeio? Realmente, nada mais insustentável do que isso! 
  
   

Data de Publicação: 14/12/2001

Autor(es): José Eduardo Rodrigues Veiga (zeveiga@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor